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Como a ciência do comportamento pode ajudar na evolução do processo de tomada de decisão do jogador profissional de poker
Renato dos Santos Lisboa
03 de novembro de 2021
Na sociedade contemporânea, os jogos de estratégia vêm ganhando cada vez mais notoriedade como possibilidade de desenvolvimento cognitivo, social e até mesmo profissional. Neste estudo, o foco de observação consistiu em compreender o processo de tomada de decisão dos jogadores profissionais de poker. Desse modo, baseado em uma revisão de literatura, fundamentada em conceitos da análise do comportamento e da neurociência, caracterizou-se o processo neuropsíquico e comportamental do mecanismo de tomada de decisão, e assim, discutindo acerca das principais estratégias dos jogadores de poker e como técnicas e recursos podem auxiliar nos resultados. Verificou-se, dessa forma, que a capacidade de tomada de decisão implica em uma série de recursos associados à flexibilidade cognitiva e ao controle inibitório, levando em consideração fatores como tempo, custo-benefício, aspectos sociais, morais e autoconsciência, motivação, autodeterminação e controle das variáveis. Para os jogadores de poker, essas habilidades são essenciais para se utilizar de estratégias como o método Analytic Hierarchy Process (AHP), que possibilita, se bem executado, a partir de um conjunto de prioridades ponderar as alternativas mais viáveis a serem decididas, e assim tomar a decisão mais eficaz.
O ato de jogar é fundamentalmente, um comportamento de remoto relato na história da humanidade. De acordo com Baranita (2012), a origem dos jogos no ocidente remonta a Grécia antiga. Já na cultura oriental, de forma milenar, o jogo desenvolvido na China antiga era aplicado ao desenvolvimento humano e ao processo de aprendizagem.
Com o passar do tempo, os jogos foram se multiplicando e suas funcionalidades se tornaram cada vez mais versáteis para o contexto de desenvolvimento comportamental, de modo que os conhecidos “jogos de azar” e de estratégia se caracterizam como os mais utilizados pelo público atualmente, seja como meio de lazer, de aprendizado ou até mesmo como uma profissão. Neste estudo, portanto, destacamos o poker profissional.
Segundo Silva (2015), o poker tem uma origem história pouca precisa sobre onde, quando e como surgiu. Acredita-se que o que conhecemos do modelo de poker atualmente seja uma variação e combinação de antigos jogos de cartas como o Az-Nas da Pérsia, o ganjifa da Índia, o pochen da Alemanha e o poche da França, sendo este último a versão mais parecida com a atual.
Atualmente, o ato de jogar tem uma manifestação muito ampla e significativa nos constructos sociais, por exemplo, a capacidade de interação; a expressão do comportamento; e a funcionalidade neuropsíquica do sujeito, que se tornou um fenômeno de constante investigação dentro do meio cientifico. Na perspectiva da psicologia e da neurociência, o ato de jogar é estudado em suas matrizes sistêmicas, que envolvem aspectos cognitivos como a tomada de decisão e o controle dos impulsos, amparados pelo viés sensorial, e elementos fundamentais que norteiam o comportamento como a motivação, determinação e autocontrole (Nogueira & Sampaio, 2016).
Dito isto, o presente estudo buscou investigar como a ciência do comportamento contribui para o desenvolvimento da tomada de decisão em jogadores de poker profissionais. Assim, apresentou-se considerações acerca do processo de tomada de decisão pela perspectiva behaviorista e neurocientífica, refletindo sobre como esses elementos interagem em estratégias utilizadas por jogadores de poker.
O estudo proposto é caracterizado como revisão bibliográfica qualitativa, pelo viés exploratório, pois visou fomentar relação entre um fenômeno e contextos, e que segundo Gil (2019) se constrói com base em material já elaborado, constituído principalmente por capítulo de livros, monografias e artigos científicos.
As bases de dados para identificação do material utilizado na articulação analítica do estudo foram buscadas nas seguintes plataformas: Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e Google Acadêmico.
A busca pelo material ocorreu através dos descritores “poker”, “profissional” “tomada de decisão”, “estratégias”, “análise do comportamento” e “neurociência”. De modo que, na composição da análise foram identificados dois estudos que atendiam parcial ou integralmente aos critérios de inclusão, corroborados por fundamentação em mais cinco referências extraídas da literatura científica, em capítulos de livros com base na ciência do comportamento.
Os critérios para inclusão foram compostos pelos trabalhos científicos produzidos no intervalo dos últimos cinco anos; e artigos publicados em revistas científicas, disponíveis na íntegra e de acesso público e gratuito, em língua portuguesa. Quanto ao critério de exclusão: publicações em língua estrangeira e sem tradução; trabalhos fora do intervalo de publicação estabelecido; artigos duplicados; e material que esteja fora da delimitação temática estabelecida.
A ciência, enquanto estudo do comportamento humano na perspectiva moderna, fundamenta-se essencialmente em pesquisas promovidas pela corrente científica behaviorista, em especial através dos estudos de B. F. Skinner. Para o referido autor, o comportamento é uma matéria acessível e de alta complexidade, tendo em vista que seja um processo mutável e fluido (Skinner, 2003).
Na perspectiva behaviorista, o comportamento humano pode ser compreendido através da interação com o ambiente, ou seja, todas as variáveis mecânicas e químicas que influenciam o organismo. Desse modo, o conceito abordado nesta linha teórica considera como elementos do comportamento: condicionamento respondente e operante; contingências; esquemas de reforço; e punição, para dessa forma compreender os esquemas comportamentais, dentre eles os mecanismos de tomada de decisão (Moreira & Medeiros, 2018).
De acordo com Cosenza (2014), na perspectiva da neurociência a capacidade de tomada de decisão é mediada pela área cerebral do córtex pré-frontal, que é o campo responsável pelo comportamento e motivação. De modo que nesta área há uma parte chamada córtex orbito-frontal, e é especificamente neste campo onde ocorre o desenvolvimento de análise dos estímulos sensoriais, em que é possível haver identificação daqueles que estejam ligados à gratificação, interagindo ainda com a capacidade de controle inibitório, importante mecanismo presente na tomada de decisão.
Desse modo, a tomada de decisão pode ser compreendida como “um processo que envolve a escolha de uma entre várias alternativas em situações que incluam algum nível de incerteza ou risco” (Malloy-Diniz, De Paula, Sedó, Fuentes & Leite, 2014, p.128). Assim, é preciso que o sujeito tenha a capacidade de analisar as alternativas, levando em conta questões como tempo, custo-benefício da escolha, aspectos sociais, morais e autoconsciência.
É importante destacar que o tempo, segundo Dib & Fuentes (2014), se caracteriza com fator fundamental no processo de tomada de decisão, uma vez que naturalmente levamos em consideração as consequências de nossas escolhas a partir daquilo que vamos ganhar, principalmente em quanto tempo vamos ganhar. De forma que a tendência geral é de que as pessoas optem por ganhos mais imediatos, e assim tomem decisões por escolhas impulsivas.
Alguns vieses cognitivos interferem diretamente no mecanismo de tomada decisão de uma pessoa, sendo eles: o valor da recompensa, o tempo de espera, se o ganho é ou não é imediato, e qual a probabilidade de ganhar ou não a recompensa, haja vista que a tomada de decisão parte de uma espécie de jogo cognitivo (Malloy-Diniz et al., 2014).
Estudos na neurociência do comportamento tem revelado que o processo de tomada de decisão envolve um paradigma acerca da recompensa e perdas. Assim, o jogo cognitivo para a tomada de decisão envolve dois pontos: o primeiro que é a ambiguidade – ou seja, os riscos de perda podem não ser plenamente reconhecidos; e o segundo envolve o risco – quando é possível inferir de forma mais clara as possibilidades de perda.
E, para Malloy-Diniz et al. (2014), é neste segundo ponto onde o sujeito usa o seu potencial de inteligência (raciocínio lógico e regulação emocional), aprendizagem e recursos adaptativos. A capacidade de melhor administrar sua flexibilidade mental e controle inibitório contribui para a forma como um sujeito irá delinear suas escolhas em determinadas situações, pois as decisões serão pautadas em propósitos bem definidos e ação voltada para objetivos.
Na perspectiva de Skinner (2003), o comportamento de tomada de decisão envolve o mecanismo de autocontrole ou de autodeterminação. Segundo o autor, no autocontrole é possível que o sujeito tenha controle para manipulação das variáveis dentro do seu próprio organismo. Na autodeterminação, por sua vez, é preciso fazer uma escolha, entre dois elementos em ação, mas nesse ponto as variáveis podem não ser tão evidentes.
Desse modo, Skinner (2003) assevera que embora seja reconhecido que motivação e condicionamento estejam necessariamente presentes em um processo de tomada de decisão, estes podem ter, em algumas situações, um efeito pouco específico ou retardado. Assim, visando respostas mais diretas, geralmente se recorre a manipulação de estímulos e, portanto, a decisão ocorre antes mesmo que o ato propriamente dito seja executado.
A partir de tais considerações, Silva (2018) apresenta uma reflexão sobre o processo de tomada de decisão em jogo de poker. O autor caracteriza o poker como uma modalidade de jogo que se fundamenta na teoria das hipóteses de que toda vez que um determinado jogador joga uma mão diferentemente da maneira que jogaria caso pudesse ver as cartas de seus oponentes, eles ganham; e que quando o jogador joga sua mão da mesma forma, caso pudesse ver as cartas do oponente, então eles perderiam.
Assim, é preciso uma certa excelência na capacidade de raciocínio lógico-dedutivo e controle inibitório, que auxilie na tomada de decisão para cada jogada. No formato do jogo mais clássico, as ações do jogador consistem em descartar (fold), passar (check), apostar (bet), pagar (call) e aumentar (raise). E cada ação depende da ação anterior do outro jogador. Ou seja, é um jogo de estratégia que visa obter informação do outro jogador, ao passo que precisa também dificultar que este jogador obtenha informações (Silva, 2018).
Silva (2018) concluiu que, tamanho o nível de complexidade e desafio do jogo de poker frente às variáveis, não há um método exato para vencer. Contudo, é possível fazer uso de múltiplas técnicas estratégicas (open, 3-bet-shove, 4-bet-light), a fim de adaptar e qualificar as tomadas de decisão em prol de um resultado favorável.
Silva, Hora & Ferreira (2019) complementam afirmando que a aprendizagem do jogo de poker não é difícil, mas a complexidade consiste no domínio, e que este ocorre essencialmente após o reconhecimento dos critérios para a tomada de decisão. Assim, os autores afirmam que os jogadores profissionais costumam fazer uso de uma abordagem multimétodos, e que dentre essas abordagens, o método Analytic Hierarchy Process (AHP) tem se sobressaído porque possibilita uma melhor a tomada de decisão, em vista de um conjunto de pesos por prioridade, para ponderar as alternativas a serem decididas.
Neste trabalho foi possível apresentar considerações breves e gerais, acerca do conceito de tomada de decisão pelo viés científico da análise do comportamento e da neurociência. A partir de tais fundamentações foi possível correlacionar o modo como os elementos presentes no processo comportamental para tomada de decisões podem ser consideradas no ato de jogar poker.
Os autores supracitados observaram e corroboraram que, considerando ser o poker um jogo estratégico e de alta complexidade para a manutenção da aprendizagem, é preciso que o sujeito possa desenvolver bem capacidades cognitivas como raciocínio lógico-dedutivo e controle inibitório, que auxiliem na tomada de decisão para cada jogada, tendo em vista que no jogo as ações consistem em descartar, passar, apostar, pagar e aumentar. E cada ação depende da ação anterior do outro jogador, que pode ou não ser um blefe.
Destaca-se que as limitações deste estudo se encontram na pesquisa bibliográfica que não encontrou estudos específicos, dentro dos critérios de inclusão, sobre a análise do comportamento de tomada de decisão em jogadores profissionais em competições, limitando assim a uma perspectiva apenas em estudos voltados para jogadores online.
REFERÊNCIAS
Baranita, I. M. C. (2012). A Importância do jogo no desenvolvimento da criança. (Dissertação de Mestrado). Escola Superior de Educação Almeida Garrett. Lisboa.
Cosenza, R. M. (2014). Neuroanatomia funcional básica para o neuropsicólogo. In: D. Fuentes et al. (Orgs.). Neuropsicologia teoria e prática (2ª ed. Cap. 2, p. 29-46). Porto Alegre: Artmed.
Dib, D, R., & Fuentes, D. Neuropsicologia e jogo patológico. In: D. Fuentes et al. (Orgs.). Neuropsicologia teoria e prática (2ª ed. Cap. 22, p. 267-276). Porto Alegre: Artmed.
Gil, A. C. (2019). Como elaborar projeto de pesquisa. (7ª ed.). São Paulo: Atlas.
Malloy-Diniz, L. F., De Paula, J. J., Sedó, M., Fuentes, D. & Leite, W. B. (2014). Neuropsicologia das funções executivas e da atenção. In: D. Fuentes et al. (Orgs.). Neuropsicologia teoria e prática (2ª ed. Cap. 9, p. 115-138). Porto Alegre: Artmed.
Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2018). Princípios básicos de análise do comportamento. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed.
Nogueira, A. L. D. D. & Sampaio, A. A. S. (2016). Análise de fenômenos sociais em um jogo on-line para múltiplos jogadores. Revista Perspectivas, 7(1), p. 59-69. Recuperado de: https://www.revistaperspectivas.org/perspectivas/article/view/167/151
Skinner, B. F. (2003). Ciência e comportamento humano. (11ª ed) São Paulo: Martins Fontes.
Silva, L. P. (2015). Poker: origem e evolução histórica. EFDeportes Revista Digital. 20(206). Buenos Aires.
Silva, H. F. C. (2018). Sistema automatizado de tomada de decisão em um jogo de poker. (Monografia). Bacharelado em engenharia eletrônica, Universidade Federal de Uberlândia, Patos de Minas, Minas Gerais. Recuperado de: http://clyde.dr.ufu.br/bitstream/123456789/26223/1/SistemaAutomatizadoDecis%c3%a3o.pdf.
Silva, J. P. S. A., Hora, H. R. M., & Ferreira, C. N. (2019). Uma aplicação do método analytic hierarchy process em jogos de poker. Revista Mundi Engenharia, Tecnologia e Gestão. 4(5), 190-206. Recuperado de: https://www.conpdl.com.br/wp-content/uploads/2017/03/ManualAPA_regrasgeraisdeestiloeformata%C3%A7%C3%A3o-de-trabalhos-acad%C3%AAmicos.pdf
Pesquisador associado do Orbis Scientia. O grupo de pesquisa em processos decisórios do CEFET-MG.